Serviço já contou com 60 mil unidades na década de 1990, mas sumiu em 2017
O empresário curitibano R. Juliano, 35, trabalha com pedras preciosas, negócio que exige investimento em segurança. Na capital paranaense, no entanto, quem busca alugar um cofre não consegue.
É que o mercado de cofres privados desapareceu do país em fevereiro de 2017, quando o último bastião, o banco CitiBank, descontinuou o serviço —que já vinha arrefecendo nos últimos anos.
No auge, durante a década de 1990, estima-se que São Paulo tenha ostentado cerca de 60 mil cofres em bancos. À época da derrocada, a fila de espera por uma caixa de segurança era de dois anos.
Limitar o serviço foi uma decisão estratégica, segundo os principais bancos, que não detalham os motivos.
Naquele período, no entanto, as instituições lidavam com os frequentes assaltos às agências, além do alto custo de espaço físico e aparato de segurança. Até a seguradora Sul América, que tinha no Rio um cofre famoso por sua segurança inviolável, foi assaltada. O serviço foi desativado.
“Como não tinha cofre, sempre dei jeitos alternativos”, diz o empresário curitibano sobre as joias. Em casa, escondia os seus relógios de mais de quatro dígitos. Até que, ele diz, uma faxineira os roubou. “Ficamos traumatizados.”
No caso do paulistano Ricardo Freitas Brain, 42, a sua empresa não queria manter o acordo de acionistas no escritório. O medo era de que a estratégia e o cálculo de viabilidade da assessoria de investimentos vazassem.
Brain também vende dólar turismo. “Por mais que essa moeda nem passe pelo escritório, não vale a pena que as pessoas saibam que tem um cofre aqui. Cofre está implícito, deixa a impressão de que temos algo”, afirma.
Só agora os dois acharam o serviço, num edifício na Berrini, região comercial na zona oeste da capital paulista. A recém-lançada empresa Sekuro decidiu ser a primeira a apostar no extinto mercado e investiu R$ 2,5 milhões em segurança, com aporte argentino.
Para chegar aos 30 metros quadrados do cofre, há uma espécie de bunker, embora no quinto andar.
Um labirinto de sete portas reforçadas por painéis blindados importados só é acessado com permissão de um sistema biométrico que lê 5 milhões de pontos da palma da mão e o fluxo sanguíneo de quem é autorizado a acessá-lo.
Antes, a oferta brasileira era concentrada nos bancos, mas não é um serviço exclusivo —em outros países, grande parte não têm relação com as instituições financeiras.
Com cofres de R$ 360 a R$ 1.200 mensais, a empresa diz que a operação se paga e ainda vê demanda para os R$ 200 milhões de investimento que pretende fazer nos próximos cinco anos —na época em que oferecia o serviço, o Citibank cobrava de R$ 110 a R$ 415 pelo aluguel semestral, já na Caixa Econômica, era possível alugar um cofre pagando entre R$ 65 e R$ 175 por seis meses.
É a violência urbana o respaldo encontrado pela empresa para a expectativa de rápida expansão, inclusive por outras capitais, como Rio, Belo Horizonte, Brasília e Salvador.
“As pessoas transformaram suas casas, com cerca elétrica, biometria, câmeras. Mas ter um cofre na residência expõe a integridade da família e aumenta o risco de assaltos, se torna uma isca”, afirma Daniel Aveiro, diretor de operações da Sekuro.
Na capital paulista, os roubos e furtos a condomínios aumentaram 172% entre 2015 e 2016, segundo dados mais recentes da Secretaria da Segurança Pública.
No último dia 16 de novembro, uma quadrilha com cerca de 15 criminosos invadiu um condomínio residencial no Morumbi, na zona sul da cidade, e assaltou 20 casas. Os bandidos levaram principalmente joias, celulares e dinheiro dos moradores.
No Rio, embora os roubos a residência tenham se mantido estáveis nos últimos dez anos, de 2015 para cá, a violência durante a ação dos criminosos aumentou, segundo dados do Instituto de Segurança Pública. A violência foi apontada pelos brasileiros como segundo principal problema do país na pesquisa Datafolha de setembro deste ano.
Agora, com a retomada dos cofres, 90% da operação do empresário Juliano passou a ser em São Paulo. Uma parte continua em Curitiba, “mas evito por não ter cofre aqui, não tem a mesma segurança.”
Mas nem só itens financeiramente valiosos são depositados nos cofres.
Juliano tem também uma caixa pessoal da família, onde protege itens de valor sentimental. “Você vai rir, mas guardo a tocha olímpica. Também herança de família, relógio de avô, moedas raras”, diz.
No de Brain, ele deixou, além do contrato da empresa, a escritura do seu imóvel, “principalmente essas coisas que [a gente] pega muito pouco”.
Há quem guarde o primeiro dente de leite dos filhos. Há também aqueles que, por ironia, precisam de um lugar físico para proteger suas moedas virtuais: deixam no cofre o pendrive com a senha de acesso de suas criptomoedas, como a bitcoin.
Um dos clientes, que prefere não se identificar, pagou por 12 meses antecipado do cofre, mas nunca voltou para guardar nada. Aveiro diz que chegou a ligar para ele. “Perguntei ‘o senhor gostaria que eu devolvesse o recurso?’, mas ele disse que não, que estava garantindo o uso quando for necessário”, conta.
Esse cliente, explica Aveiro, foi um dos despejados pelos bancos que de repente não teve mais um cofre para chamar de seu. “Um belo dia o banco encerrou o contrato e ele teve que ir numa agência na região da avenida Paulista para buscar as coisas que estavam lá dentro. Então paga pelo medo de ficar sem”, explica.
Buenos Aires, exemplifica Aveiro, “tem 400 mil caixas de segurança para 3,5 milhões de habitantes. Já em São Paulo, são 12 milhões de pessoas para zero caixas.” Os atuais 448 cofres da empresa à disposição correspondem a apenas 1% do que existia na cidade no ápice da oferta do serviço.
Fonte: Folha de São Paulo